Enfermeira que faz parte da grande família de profissionais que tanto batalham por nós, desabafou sobre o que vive e o que está a vivenciar com a pandemia do covid-19.
“Porque a minha memória não é curta nem seletiva… Levantem-se agora as vozes dos que nos chamaram selvagens… Levantem-se agora as vozes dos que nos chamaram criminosos e assassinos…
Levante-se agora a voz daquele senhor que, num telejornal, ficou indignado pelos Enfermeiros quererem ser considerados uma profissão de risco, não percebia porquê, alegando que até parecia que pegávamos nos doentes ao colo… E não é que sim?
Posicionamos e transferimos doentes da cama para outros locais, com os nossos braços, com a nossa coluna que vai dando sinal do desgaste após alguns anos.
Levantem-se agora as vozes daqueles que nos chamaram malandros, que só queríamos dinheiro…
Quando recentemente reivindicámos os nossos direitos, fizemo-lo em consciência como só este grupo profissional o sabe fazer. Paramos as cirurgias não urgentes, e nenhum utente morreu por isso.
Não queríamos só dinheiro, se bem que ao fim de 20 anos de profissão, o meu vencimento é igual a um colega que inicia hoje funções, porque mais uma vez, tiraram-nos a hipótese de subir no índice remuneratório, com pontos mal contados e avaliações que não refletem o nosso trabalho.
Nessa altura exigimos melhores condições de trabalho, dotações seguras, diminuição da idade da reforma e subsídio de risco.
Percebem agora porque???
Porque estamos cara a cara todos os dias com situações de risco, com doenças contagiosas, com violência física e verbal.
Agora que é vital que toda a população cumpra o isolamento social, os enfermeiros saem de casa para tratar os infetados. Agora que o risco de morte é premente, os enfermeiros dão a resposta que lhes é solicitada, porque respeitamos as pessoas.
Foram suspensas as férias destes profissionais, para que estejam disponíveis para tratar muitos dos que nos trataram mal.
Fecham as escolas, uma medida correta e tardia, mas quem pode explicar à minha filha que a mãe é enfermeira e como tal não pode ficar em casa com ela durante este período, porque tem de ir tratar dos outros. E dela? Quando é que a mãe pode tratar dela?
Percebem agora porque reivindicamos mais enfermeiros no SNS? Para estarmos aqui para vocês, para tratarmos com segurança a vossa mãe, o vosso avô, os vossos filhos.
Para que quando um de nós fique doente, existam número de profissionais que possam colmatar essas falhas. Para que, quando colegas em que o casal trabalha na área da saúde e um deles terá de ficar em casa, eu não tenha de trabalhar a dobrar, aumentando o risco de erro, exaustão e, p0rra!!!, porque também quero estar com a minha família.
Estes selvagens e criminosos estão na linha da frente desta pandemia, e mais uma vez dão a resposta ao que lhes é solicitado.
Estamos e estaremos sempre pelos doentes, mesmo quando eles não estão por nós.
A todos os Enfermeiros deste país, o meu maior respeito, a minha maior gratidão, o meu maior orgulho, o meu muito obrigada. E que a memória daqueles que agora nos elogiam, não seja curta nem seletiva…”
Por Em direto
Imagem de Capa: Nuno Moreira